Alvenaria acústica, um excelente aliado para consultores, projetistas e construtores

Apesar de o uso da alvenaria e do concreto armado ter se tornado quase que um patrimônio cultural da construção civil brasileira, o desenvolvimento de produtos como tijolos, blocos cerâmicos ou de concreto, com desempenho acústico, ainda é algo recente. Os primeiros elementos de alvenaria com essas características, testados em ensaios laboratoriais e de campo, para aferir e demonstrar o desempenho acústico, começaram a ser desenvolvidos em 2012, muito pela necessidade preeminente de se adaptar à norma ABNT NBR 15575, lançada no ano seguinte. Agora, aos poucos, os blocos cerâmicos e de concreto acústicos chegam ao mercado, mas, ainda, com o desafio da competitividade no preço se comparados aos blocos convencionais, algo que ainda dificulta a expansão do uso da solução de forma ampla.

Para se ter uma ideia, 88,2% das construções habitacionais brasileiras, segundo dados de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), usam alvenaria na construção. As estruturas de concreto armado, paredes de tijolo cerâmico e revestimento com argamassa cimentícia representam mais de 60 milhões, das mais de 70 milhões de unidades domiciliares que existem no país (casas e apartamentos). Em um cenário como esse, de uso da alvenaria de forma massificada no país, o fato de os blocos obterem o desempenho acústico desde a sua concepção no ambiente industrial é fator que pode se transformar em um excelente aliado para consultores de acústica, projetistas e construtores.

De acordo com Lineu Passeri Junior, diretor da Passeri Acústica e Arquitetura, “do ponto de vista do construtor e incorporador, a vantagem em termos de isolamento sonoro é obtida sem que isso exija uma qualificação de mão de obra tradicional. Ou seja, com o mesmo custo de mão de obra de assentamento de alvenaria – substituindo, apenas o material – é possível oferecer um resultado superior no produto construído que é colocado no mercado”, ressalta.

A questão regional, com poucos fabricantes de blocos acústicos no país, é também uma barreira que dificulta a especificação do produto. Segundo Rafael Schmitt, diretor da Scala Acústica, de Blumenau, SC, a indisponibilidade do produto em todas as regiões do Brasil acaba, em muitos casos, por questões de preço para o transporte, inviabilizando o uso dos produtos.

O mercado que mais consome alvenaria acústica no país é o de edifícios multifamiliares residenciais. Para a engenheira, Bárbara Fengler, coordenadora técnica do escritório Giner Acústica, o surgimento de blocos acústicos tem se mostrado vantajoso em vários casos. “Com eles é possível garantir o atendimento às normas sem que seja necessário aumentar a espessura da alvenaria e do revestimento. Outra vantagem é a rápida identificação em obra entre os blocos acústicos dos convencionais, o que garante a execução correta e a alta produtividade. A desvantagem ainda é o maior custo em relação aos blocos convencionais e estruturais”.

Para o consultor de acústica, Pablo Serrano, do escritório Pablo Serrano Soluções Acústicas, o setor hoteleiro tem utilizado a solução como uma excelente alternativa. “Na hotelaria há uma mescla do uso da alvenaria convencional com uso dos blocos acústicos em situações específicas. Já na área de saúde, há diversas salas com finalidades distintas e requisitos diferentes onde, em alguns casos, os blocos acústicos podem vir a ser alternativas viáveis”.

Segundo ele, aos poucos os arquitetos vão se atentando à questão. “Em geral, eles se preocupam somente com a espessura da parede e com as áreas dos ambientes. Já o projetista acústico se preocupa mais com a especificação e projeto de alvenaria. Portanto, uma sinergia entre os profissionais é importante”, ressalta Serrano. Além disso, as salas de concertos musicais são construções especiais e edificações onde os blocos acústicos serão muito bem introduzidos.

Salas de concerto, teatros e locais sensíveis demandam baixíssimos níveis de ruído de fundo que frequentemente estão no limiar de audibilidade – NC-15 ou menos, ressalta José Augusto Nepomuceno, da consultoria Acústica & Sônica. “Nestes casos o uso de blocos de concreto para as paredes envoltórias com o exterior é uma diretriz comum e usual. Dependendo dos níveis de ruído ambiental como tráfego terrestre e aeronáutico, estas paredes são construídas em concreto maciço ou bloco de concreto preenchidos com groute”, ressalta Nepomuceno.

A construção do auditório e do palco em alvenaria é a solução mais utilizada neste segmento, mesmo que ela não esteja diretamente exposta ao exterior. A alvenaria tem vantagem na reprodução de som de baixas frequências e facilidades estruturais para fixação de elementos de tecnologia do espetáculo, explica Nepomuceno. Para estúdios de gravação, tanto amadores como de alta qualificação, o drywall tem sido utilizado com bom desempenho.

Um aspecto é certo, os blocos acústicos são importantes para o aprimoramento dos desejados desempenhos mínimos exigidos, principalmente nas vedações verticais de dormitórios que são as mais críticas, explica Davi Akkerman, da Harmonia Acústica. Segundo ele, os blocos acústicos tornam mais fácil de atingir os níveis ideais de conforto acústico mantendo as vedações com as espessuras convencionais utilizadas na construção brasileira, de 14 cm ou 19 cm, por exemplo. “Além disso, existem situações construtivas onde há limitação de espessura de parede e necessidade de melhor desempenho acústico entre os ambientes, aí entra o recurso dos blocos acústicos”, ressalta.

A Anicer (Associação Nacional da Indústria Cerâmica) acompanhou a realização de ensaios de inúmeros produtos desenvolvidos por fabricantes de diferentes regiões do país. De acordo com Vinícius Lima, diretor de mercado da entidade, com essas medidas foi possível identificar quais são os pontos fundamentais para o ganho de desempenho acústico dos blocos, tais como a geometria, a densidade e a área líquida dos produtos. “Esses estudos permitiram estabelecermos adequações importantes para o desenvolvimento de um produto que segue as especificações adequadas por lei e ajudou a tornar as nossas empresas mais inovadoras”, ressaltou Lima.

A maioria das empresas desse setor, tanto cerâmico como de concreto, buscou assistência de instituições renomadas como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e de empresas de países como Alemanha, França, Espanha e Itália para desenvolver os blocos acústicos. Os desafios foram enormes já que o mercado exige cada vez mais o uso de paredes mais leves e de menor custo, mas com desempenho elevado e sem a necessidade de introduzir procedimentos ou modificar os já estabelecidos.

Os blocos acústicos da Oterprem usam, segundo Tatiani Oliveira, os agregados convencionais que são areia, pó de pedra, pedrisco, cimento, água, vidro prensados, mas a diferença está no uso do molde com o formato específico. “O cimento utilizado no concreto é o CPV, com cura a vapor. Os traços da massa de assentamento seguem as mesmas normas e traços da argamassa de assentamento dos blocos estruturais convencionais”, esclarece.

Oliveira explica, ainda, que o mercado tem optado por nosso produto, por possibilitar a utilização em conjunto com outras soluções acústicas e paredes Corta Fogo TRF de 120 min. A NBR 15575 especifica o uso dos blocos de concreto nas alvenarias em geral, como vedações verticais de fachadas, paredes internas entre unidades, áreas comuns, poço de elevador, escadas de emergências etc.  Segundo Oliveira, “o requisito mínimo para blocos de concreto é de Rw = 48 dB para especificação de projeto, sendo que Oterprem possui dois tipos: o Rw = 49 dB e o Rw = 51 dB.

Para vencer os desafios, adotamos duas estratégias distintas, explica Constantino Bueno Frollini, da Cerâmica City. “De início, exploramos sistemas mistos, como os massa-mola-massa ou mola-massa-mola, que resultaram em paredes mais espessas, com excelente desempenho acústico, mas com custo de construção elevado. A segunda abordagem, que foi exitosa, envolveu o desenvolvimento de blocos termoacústicos onde modificamos o peso, a composição da argila e o design interno. O resultado foram unidades mais leves e com sistema de execução mais adequado, o que permitiu que os pedreiros os utilizassem de maneira mais eficaz.

Para desenvolver o bloco cerâmico acústico, a Cerâmica City trabalhou com três elementos-chave, o aumento do peso (comparado ao bloco convencional) e o ajuste da densidade da argila; a alteração no design, onde o encaminhamento interno dos vãos dos blocos foi projetado pensando no desempenho termoacústico e na facilidade de execução da alvenaria; e nas orientações específicas desenvolvidas para a aplicação correta do material na obra, ponto essencial para o desempenho do produto.

Os fabricantes explicam que na fase de projeto dos blocos são utilizados dados de ensaios de laboratório. Os testes são realizados em câmaras acústicas, onde uma emite sons e a outra câmara os recebe. Nesse compartimento uma parede de alvenaria separa as duas câmaras agindo como um sistema de vedação vertical.

A Selecta Soluções em Blocos por sua vez foi buscar uma tecnologia de secagem na Itália para atingir a eficiência acústica e um preço viável. De acordo com Jônatas Silva de Almeida, os maiores desafios foram o desenvolvimento do projeto e a adequação do processo fabril. “Realizamos ensaios computacionais para obter uma prévia do resultado e executamos ensaios em laboratório homologado”. Segundo ele, o desempenho dos blocos, de 14 x 19 x 39 e de 19 x 19 x 39, alcançaram Rw = 47dB à Rw = 50dB. Para chegar nesse resultado, os pesos dos blocos foram distribuídos de acordo com a geometria da boquilha para ficar uniforme; e a densidade foi determinada conforme a composição das argilas.

Desempenho nas edificações

Com relação ao desempenho acústico da fachada, na relação dos blocos acústicos com as esquadrias, Vítor Litwinczik, da Anima Acústica, pondera que “os blocos acústicos têm menos importância do que em paredes internas, uma vez que o desempenho da fachada é fortemente determinado pela abertura (janela ou porta-janela).

De acordo com Schmitt, quando nas fachadas são utilizadas esquadrias de alto desempenho (ex: Rw ≥ 35 dB), o desempenho da alvenaria faz sentido também. “Portanto, usando blocos acústicos com maior capacidade de isolamento (ex: Rw ≥ 50 dB), o resultado global da fachada em campo D2m,nT,w pode atingir valores na ordem de ≥ 40 dB.

Os consultores explicam que a situação em campo mais complexa para atingir o desempenho normativo são as paredes de geminação onde há quarto com requisito DnT,w ≥ 45 dB para nível Mínimo obrigatório,  ≥ 50 dB Intermediário e ≥ 55 dB Superior. Schmitt relata que vem realizando inúmeras medições em paredes internas (geminação que há quarto) e que, na prática, não atendem ao mínimo da ABNT NBR 15575-4. “É mais comum, porém não uma regra, que isso ocorra quando se usam blocos cerâmicos de vedação convencionais e nas condições de dormitórios pequenos”, pontua.

Segundo Litwinczik, o desempenho da parede está ligado não apenas às características dos blocos, mas, também, a fatores de campo como o volume e forma do ambiente receptor, os tipos e características das paredes em contato com a parede de separação. “Só ter um bloco acústico (pesado) não resolve a situação é necessário alterar os elementos em contato com a parede de separação para atingir o desempenho esperado”, ressalta.

No quesito vibração, o engenheiro acústico, Schaia Akkerman, da Akkerman Alcoragi, explica que vibrações são fenômenos mecânicos que devem ser controlados com bases antivibratórias (amortecedores). Bárbara Fengler pontua que os blocos acústicos ou estruturais são mais pesados que os blocos convencionais e a vibração transmitida por eles são menores. “Comparando as alvenarias acústicas entre si, os blocos de maior peso irão atuar melhor nesse sentido do que os mais leves. Para evitar a transmissão de vibração é necessária a utilização de composições com elementos resilientes ou paredes duplas”, explica Fengler.

Já Davi Akkerman analisa que podem não ocorrer diferenças relevantes no aspecto das vibrações, já que o que vai importar serão os tipos de engastes e juntas periféricas das paredes com estrutura. “No entanto, temos constatado na prática de que alvenarias estruturais têm melhor desempenho que as convencionais no isolamento de ruído aéreo”, salienta.

Fonte: ProAcustica